quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Velhice...


"Descobri que eu estava velho há muitos anos, num metrô de São Paulo. Foi assim: o vagão estava lotado e não havia assento vago. Não liguei. Eu era jovem, pernas e braços fortes, podia fazer a viagem de pé, segurando um balaústre. Aí comecei a observar metodicamente o rosto das pessoas, coisa que gosto muito de fazer. Os rostos revelam mundo. Muitas crônicas me apareceram no ato de observar um rosto. Uma vez, tomando o meu café da manhã num hotel em Uberaba, fui comovido pelo rosto de um garçom já meio velho, magro, calvo, daqueles que não cortam o cabelo de um lado, para com seus fios compridos tentar disfarçar (inutilmente) a calva lisa. Aquele rosto me comoveu. E, quase que num segundo, apareceu na minha imaginação a trama de um conto. É sobre um garçom que trabalhava num hotel onde pilotos e aeromoças pernoitavam. Ele se apaixona por uma delas e a sua vida passa a girar em torno dos dias em que sua escala de vôos fazia com que aquela que ele amava secretamente dormisse no hotel. O garçom, servindo o café da manhã, dela se aproximava e respirava fundo para sentir o seu perfume. Até saiu pelas lojas de perfume, à procura daquele... Terminado o café ele recolhia copos e xícaras. Aí, furtivamente, na cozinha, quando ninguém estava olhando, os restinhos que haviam sobrado... Era como se ele a estivesse beijando. Mas, voltando ao metrô. De repente meus olhos encontraram uma moça que também olhava para mim, com um discreto sorriso nos lábios. Foi um momento de suspensão romântica: eu olhando para ela, ela olhando para mim. Aquele poderia ser o início de uma estória de amor por acontecer. Muitas estórias de amor se iniciam em estações. Mas então, naquele momento de suspensão romântica, ela fez um gesto delicado: sorrindo, ela se levantou e me ofereceu o lugar... Entendi então o sentido do seu sorriso: olhando para mim ela se lembrava do seu avô, velhinho tão querido... Compreendi que eu estava velho. Foi um momento de revelação. Desde então o meu pensamento volta sempre para a velhice".

Rubem Alves (Correio Popular, Caderno C, 09/12/2001.)

2 comentários:

Unknown disse...

AMIGA!!!
ESTÁ DE MAIS SEU BLOG... VC É UMA QUERIDA... SENSIVEL COMO POUCAS... INTELIGENTE COMO POUCAS... CAPAZ COMO POUCAS!!!
AMO VC
ESTOU COM MUITA SAUDADE

Anônimo disse...

Imagina amiga, obrigada pelo comentáio e pelos elogios, beijo, amo vc!