domingo, 21 de outubro de 2007

Receita de Domingo


"Ter na véspera o cuidado de escancarar a janela. Despertar com a primeira luz cantando e ver dentro da moldura da janela a mocidade do universo, límpido incêndio a debruar de vermelho quase frio as nuvens espessas. A brisa alta, que se levanta, agitar docemente as grinaldas das janelas fronteiras. Uma gaivota madrugadora cruzar o retângulo. Um galo desenhar na hora a parábola de seu canto. Então, dormir de novo, devagar, como se dessa vez fosse para retornar à terra só ao som da trombeta do arcanjo".

Paulo Mendes Campos do livro "O Cego de Ipanema"

Caetano e vaias


















Outro dia estava ouvindo um CD do Caetano (coletânea Os Grandes da MPB de 1996) que não ouvia faz tempo e me surpreendi com a gravação da apresentação no 3º Festival Internacional da Canção, em 1968, em que ele estava interpretando É Proibido Proibir e levou aquela vaia clássica. Revoltado, Caetano empunhou o microfone e fez um discurso, em que acusava os presentes de "não estarem entendo nada".

O discurso:

"Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder! Vocês têm coragem de aplaudir este ano uma música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem... Vocês não estão entendendo nada, nada, nada. Absolutamente nada!... O problema é o seguinte: estão querendo policiar a música brasileira. Mas eu e o Gil já abrimos caminho... Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não. Ninguém nunca me ouviu falar assim, entendeu? Só queria dizer isso, baby, sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de enfrentar em todas as estruturas e sair de todas. E vocês? E vocês? Se vocês em política forem como em estética, estamos feitos!" (Caetano Veloso/Setembro de 1968)

Mas legal mesmo é ouvir o discurso e ele sendo vaiado ao mesmo tempo!

A música:

É PROIBIDO PROIBIR
(Caetano Veloso)
Intérprete: Caetano Veloso

A mãe da virgem diz que não
E o anúncio da televisão
E estava escrito no portão
E o maestro ergueu o dedo
E além da porta
Há o porteiro, sim...

E eu digo não
E eu digo não ao não
Eu digo: É!
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir...

Me dê um beijo, meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças
Livros, sim...

E eu digo sim
E eu digo não ao não
E eu digo: É!
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir....

Me dê um beijo, meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estantes, as estátuas
As vidraças, louças
Livros, sim...

E eu digo sim
E eu digo não ao não
E eu digo: É!
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir....

Frases do Caetano

"A crítica musical no Brasil não é feita por especialistas, mas por pessoas que representam a mediocridade geral."

"Meu negócio agora é sexo e amizade. Acho esse negócio de amor uma coisa muito chata."

"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é."

"Não sou modesto, sou leonino, mas sempre que pude melhorei."

"Não sou branco. Nem sou homem."
Obs.: Comentando crítica que o retratou como marcado pela culpa por ser branco e homem.

"Vivemos com medo e isso nos leva a apoiar os líderes mais inaceitáveis."

"Tenho canções legais. Não são grandes canções, mas se vinculam com a história brasileira. Tiveram graça no momento e no modo em que apareceram. Talvez algumas sejam até bonitas em si."

"Osama Bin Laden é um homem bonito e se parece com algumas pessoas da minha família."

"De perto ninguém é normal."

A Lista




Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar
Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de agora
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você
Quantas mentiras você condenava
Quantas você teve que cometer
Quantas canções que você não cantava
Hoje assobia pra sobreviver
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você

Oswaldo Montenegro

Coisas que eu sei


Eu quero ficar perto de tudo o que eu acho certo
Até o dia em que eu mudar de opinião
A minha experiência, meu pacto com a ciência
Meu conhecimento é minha distração

Coisas que eu sei
Eu adivinho sem ninguém ter me contado
Coisas que eu sei
O meu rádio-relógio mostra o tempo errado... aperte o ‘Play’

Eu gosto do meu quarto, do meu desarrumado
Ninguém sabe mexer na minha confusão
É o meu ponto de vista, não aceito turistas
Meu mundo tá fechado pra visitação

Coisas que eu sei
O medo mora perto das idéias loucas
Coisas que eu sei
Se eu for eu vou assim não vou trocar de roupa... é a minha lei

Eu corto os meus dobrados
Acerto os meus pecados
Ninguém pergunta mais... depois que eu já paguei
Eu vejo o filme em pausas
Eu imagino casas
Depois eu nem me lembro do que desenhei

Coisas que eu sei
Não guardo mais agendas no meu celular
Coisas que eu sei
Eu compro aparelhos que eu não sei usar... eu já comprei

As vezes dá preguiça
Na areia movediça
Quando mais eu mexo mais afundo em mim
Eu moro num cenário
Do lado imaginário
Eu entro e saio sempre quando to a fim

Coisas que eu sei
As noites ficam claras no raiar do dia
Coisas que eu sei
São coisas que antes eu somente não sabia... Agora eu sei

Danni Carlos